Juízes e juízas de execução penal agora têm um regramento nacional para calcular quantos dias um preso pode reduzir da sua pena por meio da leitura. A Resolução aprovada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na 330ª Sessão Ordinária, nessa terça-feira (4/5), regulamenta a remição por estudo, um direito da população carcerária previsto desde 2011, quando a Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) foi atualizada para passar a permitir que a educação do apenado – e não apenas o trabalho – também pudesse ser revertido em menos dias da condenação a cumprir. Agora o benefício concedido à leitura realizada no cárcere também será concedido com base em Resolução do CNJ.
A nova regulamentação atende a uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) que, ao conceder em março habeas corpus a uma presa de Santa Catarina aprovada no Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), reconheceu o direito a remição por leitura, conforme a Recomendação CNJ n. 44/2013 previu, e incumbiu o CNJ de regulamentar o tema.
De acordo com a nova resolução, serão consideradas para o cálculo da remição três tipos de atividades educacionais realizadas durante o período de encarceramento: educação regular (quando ocorre em escolas prisionais), práticas educativas não-escolares e leitura. Para fazer jus à antecipação da liberdade, a pessoa condenada terá de cumprir uma série de critérios estabelecidos pela norma do CNJ para cada uma das três modalidades de estudo.
Dos 748 mil presos no Brasil, pelo menos 327 mil não completaram os nove anos do ensino fundamental e 20 mil são considerados analfabetos. A direção de 64% dos estabelecimentos informou haver internos em atividade educacional, mas apenas 123 mil pessoas presas estão matriculadas a alguma dessas atividades. Desse total, 23.879 participam de algum programa de remição pela leitura e 15 mil estão envolvidos em remição por esporte ou outras atividades culturais, de acordo com levantamento de 2019 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), com base em informações prestadas pela direção das unidades prisionais do Brasil.
O relator do processo, conselheiro Mário Guerreiro, fez questão de agradecer publicamente cada um dos integrantes dos grupos de trabalho que discutiram as bases que resultaram na proposta de regulamentação submetida ao Plenário do CNJ no processo n. 0001883-74.2021.2.00.0000. “Os grupos ainda seguirão trabalhando na formulação dos planos nacionais de leitura e de esporte e lazer no sistema prisional”, afirmou o conselheiro, que coordena os dois grupos de trabalho.
Nomeados em outubro de 2020 pelo presidente do STF e do CNJ, ministro Luiz Fux, os grupos têm a participação de representantes da academia, de entidades da sociedade civil ligadas às causas da educação, da leitura e do esporte, além de membros do Poder Executivo e do Sistema de Justiça. Representam o CNJ nos grupos de trabalho, os juízes auxiliares da Presidência Fernando Pessôa da Silveira Mello, Carlos Gustavo Vianna Direito e Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi, que também é coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ).
Comprovação
A leitura de qualquer livro de literatura emprestado da biblioteca da unidade prisional, por exemplo, poderá significar menos tempo de pena a cumprir. Para tanto, a pessoa presa deve apresentar um Relatório de Leitura que será remetido à Vara de Execuções Penais (VEP) ou Comissão de Validação instituída pela VEP.
Cada obra lida, após o reconhecimento da Justiça, reduzirá em quatro dias a pena da pessoa presa. A resolução estabelece o limite de 12 livros lidos por ano e, portanto, 48 dias remidos como teto anual dessa modalidade de remição. Em respeito à Lei 13696/2018, que instituiu a Política Nacional de Leitura e Escrita, ficam vedadas a censura, a existência de lista prévia de títulos para fins de remição e a aplicação de provas. A Resolução também propõe que sejam adotadas estratégias para reconhecimento da leitura por pessoas com deficiência, analfabetas ou com defasagem de letramento.
Práticas não-escolares
De acordo com a nova normativa, práticas sociais educativas não-escolares são aquelas “atividades de socialização e de educação não-escolar, de autoaprendizagem ou de aprendizagem coletiva” que educam fora da sala de aula tradicional. Podem ter “natureza cultural, esportiva, de capacitação profissional, de saúde, entre outras”, mas a iniciativa deverá ter requisitos semelhantes ao de um programa de ensino regular.
Serão cobrados. das “iniciativas autônomas, instituições de ensino públicas ou privadas e pessoas e instituições autorizadas ou conveniadas com o poder público para esse fim”. os objetivos e conteúdo propostos, base teórica, metodologias, carga horária e frequência. A remição da pena da pessoa presa matriculada em algum projeto não-escolar dentro de unidade prisional será contabilizada em horas de participação efetiva (presença aferida), de modo semelhante a contagem de tempo no ensino regular.
Exames
Caso a pessoa presa consiga ser aprovada em algum exame que resulte na conclusão de um dos níveis da Educação Básica (fundamental e médio), terá sua pena reduzida em metade da carga horária correspondente à etapa concluída, conforme definido por resolução do Conselho Nacional de Educação. A conclusão dos anos finais do ensino fundamental faz jus a carga horária de 1.600 horas e, para ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio, 1.200 horas.
A quantidade de horas será acrescida em um terço se o preso demonstrar que concluiu um dos níveis da Educação Básica, conforme definido pela LEP. A cada 12 horas de estudo, comprovadas pela Justiça, o preso terá direito a um dia a menos na pena.
A discussão sobre a resolução e o acompanhamento de sua implementação têm apoio do Programa Fazendo Justiça, coordenado pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Sistema de Medidas Socioeducativas, do CNJ. Os grupos irão apresentar proposta de Planos Nacionais de Esportes e de Leitura, com a finalidade de ampliar o impacto da Resolução na promoção das práticas sociais educativas nos estabelecimentos prisionais.
O Fazendo Justiça é uma parceria entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com apoio do Departamento Penitenciário Nacional, para a abordagem de desafios estruturais no campo da privação de liberdade.