“Não somos casados no papel, mas me foi exigido o termo de consentimento assinado pelo meu companheiro, porém dele não foi exigido nada.”, alega Kamyla Santos, professora da rede pública de Florianópolis, a respeito do descumprimento da lei federal que garante o direito a laqueadura e a vasectomia.
A laqueadura e a vasectomia são procedimentos de esterilização reprodutiva da mulher e do homem, garantidos pela Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996. A lei define que mulheres e homens com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, possuem direito aos procedimentos. Sendo obrigatório a entrega de um termo de consentimento assinado pelo cônjuge, somente quando a união for forma. Do contrário, os agentes de saúde estão infringindo a lei ao exigir tal documento de pessoas civilmente solteiras.
“Se você tem capacidade civil plena, possui 25 anos ou dois filhos vivos, você tem direito ao procedimento. Se você não é casada, não há necessidade de nenhum termo de consentimento. Caso você se depare com essa irregularidade, procure os meios judiciais para fazer valer a sua vontade enquanto uma pessoa juridicamente solteira”, orienta a advogada Susley Rodrigues.
Acontece que dezenas de mulheres relataram, em um grupo de Facebook, que não é exigido dos homens, seus parceiros, nenhum termo de consentimento assinado por elas na hora de dar entrada ao processo da vasectomia, assim como é exigido que as mulheres tenham filhos, além dos 25 anos completos. Não apenas isso, mas as mulheres também relataram que sofreram discriminação, humilhação e preconceito quando foram procurar por esse direito.
“Quando eu fui para a maternidade, a assistente social simplesmente disse que eu não iria fazer porque eu não tinha filhos, e eu disse a ela: Não. Eu tenho o direito de fazer a laqueadura mesmo sem ter filhos. Como é que vou ter filhos, sendo que eu não quero ter? Ela me disse você é egoísta, você é muito imatura, entre tantas outras coisas que me foi falado”, conta Sandrielle da Silva, moradora da cidade de Recife.
O debate sobre o direito a laqueadura no país começou em 2014, quando o IBGE divulgou uma pesquisa a qual apontava que 14% da população feminina não queria ser mãe. Atualmente, uma pesquisa global realizada pela empresa farmacêutica Bayer, com apoio da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia e do Think about Needs in Contraception, apontou que 37% das brasileiras não querem ser mães.
Este é o caso de Natalia Aika, técnica administrativa na Universidade de São Paulo. Ela conta que nunca desejou ser mãe e por isso, procurou pelo direito à laqueadura mas por anos teve sua vontade desqualificada pelos médicos. “Eu falava de laqueadura para médica e era como se meu direito não existisse. Ela dizia: ‘você é muito nova, vai mudar de ideia.’. Isso me irritava, porque parecia que eu não havia pensado muito bem antes de falar”, comenta Natalia sobre se sentir impotente.
A advogada Susley afirma que o Sistema Único de Saúde e os planos de saúde devem cobrir com o procedimento. “A esterilização cirúrgica é garantida por lei desde que você cumpra os requisitos. Caso sua vontade não seja validada, se os médicos e profissionais da saúde negarem esse direito a você, protocole uma reclamação na ouvidoria do Ministério da Saúde e também na secretária de saúde da sua cidade”, explica a advogada.
Orientação a respeito do direito à laqueadura vira tema de podcast
Esses dados foram levantados por alunos da Universidade de Sorocaba, os quais a fim de verificar os relatos das internautas, fizeram de seu trabalho de conclusão de curso uma investigação sobre a laqueadura no Brasil.
Os estudantes entrevistaram mulheres de cidades diferentes do país, advogados e médicos, além de exporem dados do Ministério da Saúde sobre o procedimento de esterilização no país.
O resultado dessa apuração será exibido no podcast: Mai, que conversa é essa?, a partir do dia 4 de dezembro, através do Spotify.
Outras informações também estão disponíveis nas páginas do Instagram e Facebook: @maiqueconversaeessa.