Menstruar ou não menstruar, uma questão de escolha?

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A menstruação é um evento fisiológico que se manifesta externamente por sangramento genital a intervalos regulares. Embora seja evento universal na população feminina, infelizmente a menstruação ainda é cercada de mitos e associada ao sofrimento. Até o final do século 19, as mulheres menstruavam pouco, pois engravidavam em média 10 vezes, além de amamentarem por longos períodos. Dessa forma, passavam até 18 anos sem menstruar. As mudanças econômicas e sociais associadas ao desenvolvimento de métodos contraceptivos eficazes mudou a história menstrual das mulheres. Atualmente, o número de gestações reduziu para em média duas, e cerca de seis meses de amamentação, o que resulta em até 2,5 anos sem menstruar. Assim, as mulheres modernas têm cerca de 400 a 500 ciclos menstruais durante a vida e podem escolher quando e se querem engravidar.

O sangramento cíclico traz consigo uma série de conotações místicas atribuídas à menstruação, a maioria de caráter negativo associado aos desconfortos percebidos mensalmente. Os eventos hormonais que asseguram a manutenção do ciclo reprodutivo feminino e resultam no sangramento mensal são acompanhados por  sinais e sintomas físicos e psíquicos como inchaço, cansaço, dor nas pernas, irritabilidade, cólicas, entre outros. De 40% a 80% das mulheres são acometidas de sintomas pré-menstruais, que podem variar de leves a graves, que compõem a famigerada síndrome da tensão pré-menstrual (TPM). Entretanto, somente 3% a 10% têm a forma mais grave.

Em geral, estes sintomas são limitados e desaparecem após o término da menstruação, mas comprometem a qualidade de vida da mulher. É importante salientar a importância da avaliação médica, visto que em alguns casos doenças como alterações da tiroide e depressão podem estar presentes.

A dor em cólica durante o período menstrual atinge 15% a 50% das mulheres jovens, e pode ocorrer em associação com outros sintomas como náuseas, vômitos, alterações do hábito intestinal (diarreia ou prisão de ventre), cansaço, tontura, sensação de peso nas pernas, dor de cabeça, entre outros. Em algumas situações, entretanto, as cólicas são intensas e comprometem negativamente a vida da mulher. A avaliação médica nestes casos é fundamental, pois algumas doenças como a endometriose podem ser encontradas. Se as cólicas são persistentes ou se há piora progressiva das mesmas, há necessidade de buscar avaliação e tratamento. Parece surreal, mas ainda é preciso frisar que uma mulher ficar sentindo dor não é normal.

Embora muitas mulheres pensem que o sangramento mensal seja desejável para a manutenção da saúde, pois “elimina sangue ruim”, não há razões médicas ou científicas para se acreditar em nenhum benefício à saúde decorrente da menstruação regular. A presença de ciclos menstruais regulares, que ocorrem a cada 25 a 35 dias com duração de três a oito dias de sangramento, é considerada normal, mas não garante saúde nem fertilidade. Obviamente que a irregularidade menstrual deve ser avaliada, pois em geral está associada a alterações como a síndrome dos ovários policísticos, endometriose ou doenças da tireoide.

O desenvolvimento de métodos contraceptivos hormonais o controle do ciclo menstrual e tratamento de muitos dos sintomas indesejáveis com eficácia e segurança. Não é raro hoje em dia que muitas mulheres precisem se manter sem menstruar para o tratamento de doenças como a endometriose, o que pode ser feito de várias maneiras sem comprometer sua saúde e sua fertilidade. Felizmente, para as diversas alterações associadas ao ciclo menstrual há vários tratamentos disponíveis que devem ser escolhidos após avaliação médica especializada, que deverá levar em consideração a idade da mulher, a intensidade dos sintomas, o efeito sobre a qualidade de vida e o desejo de engravidar. Assim, menstruar ou não menstruar não é apenas uma questão de escolha, mas um ponto fundamental na saúde de qualquer mulher.

Márcia Mendonça Carneiro é médica ginecologista na clínica Origen BH, professora associada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenadora da equipe multidisciplinar de Endometriose Hospital das Clínicas (HC/UFMG) e integrante da diretoria da Sociedade Brasileira de Endometriose, da Comissão Nacional Especializada de Endometriose da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e da diretoria da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA).

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