Sabe aquele pesadelo que te dá a nítida sensação de estar caindo em um buraco que parece não ter fim? É exatamente assim que milhões de brasileiros estão se sentindo quando pensam nas dívidas.
São 78% de famílias endividadas no Brasil, segundo dados de julho da Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) divulgados pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
O indicador acaba de renovar sua máxima histórica. O recorde do número de endividados, segundo a mesma pesquisa, foi registrado em abril deste ano ao atingir 77,7%. Antes, o índice mais elevado foi anotado exatamente no início da pandemia, em março de 2020, quando 66,2% das famílias brasileiras relatavam ter dívidas.
O cenário é grave, mas há saídas, como explica a especialista em educação financeira Jenifer Corrêa, criadora da Repenseria. “As pessoas precisam acreditar que sim, há como sair deste quadro desesperador e voltar a ter uma saúde financeira, sem débitos e pendências”.
A especialista destaca que tem uma visão mais crítica sobre as causas deste endividamento recorde, que vai muito além do impacto da pandemia, e está mais ligado principalmente aos altos juros cobrados no país, à desigualdade social crônica que coloca a maior parte da população brasileira em situação de vulnerabilidade por conta da baixa renda e à inflação, que tira o poder de compra e também piora esta realidade.
No início deste mês de agosto, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) aumentou os juros básicos da economia brasileira (Selic) de 13,25% para 13,75% ao ano, que representa o patamar mais alto desde 2016, quando a taxa chegou a 14%. Foi a 12ª alta seguida, desde que a autoridade monetária iniciou o atual ciclo de alta dos juros, em janeiro de 2021. Desta forma, o Brasil tem a maior taxa de juros reais (descontada a inflação) do mundo.
A alta da Selic leva ao aumento de todos os juros que pagamos para conseguir crédito. A taxa média do rotativo do cartão de crédito, por exemplo, que é acionado automaticamente quando não pagamos o valor integral da fatura, estava em 364% ao ano em abril, conforme dados mais recentes do Banco Central divulgados no final de julho. Esse é o tipo de crédito mais caro para as pessoas físicas. Já no cheque especial, a taxa média chegou a 132,7% ao ano.
O crédito rotativo e o cheque especial são as principais dívidas das famílias brasileiras e os juros de ambos registraram aumento de 4,9 pontos percentuais em comparação a março.
Dívidas impagáveis
E é exatamente no rotativo do cartão de crédito, quando as pessoas pagam apenas uma parcela do valor total, que está a maior fatia das dívidas dos brasileiros: 85,4% têm débitos nesta modalidade, segundo o levantamento da CNC.
“São juros sobre juros que se avolumam e crescem em alta velocidade, sem que haja a menor possibilidade de as pessoas conseguirem quitar o que devem. É isso que explica o que chamamos de efeito da bola de neve das dívidas”, explica a especialista.
Dicas para sair do pesadelo
Para Jenifer Corrêa, especialista em educação financeira da Repenseria, o caminho pode parecer longo, mas é plenamente possível sair do pesadelo do endividamento, quitar as dívidas e voltar a sonhar.
O primeiro passo é levantar exatamente o valor devido com cada instituição financeira e negociar, em primeiro lugar, as dívidas que têm juros mais altos. Depois, buscar os canais de negociação. No caso dos bancos, é recomendado buscar o SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) ou a Ouvidoria, anotando sempre o número de protocolo da ligação. “No caso das instituições financeiras, estes setores costumam concentrar as informações completas de todos os débitos do cliente, informando-o com mais clareza para que eles consigam se planejar para resolver suas pendências”, explica Jenifer.
Guardar dinheiro para pagar a dívida à vista em muitos casos é mais vantajoso, já que no parcelamento o devedor volta a pagar juros. À vista, o valor total a ser desembolsado geralmente é menor.
Se está difícil conseguir uma negociação que caiba no bolso, buscar feirões que reúnem bancos, financeiras e grandes empresas é mais uma tentativa de conseguir um acordo.
O Banco Central também pode ser acionado se houver dificuldade para o contato com as instituições financeiras, assim como o site consumidor.gov.br, do governo federal.
As unidades do Procon também auxiliam os endividados com orientações, inclusive sobre Lei do Superendividamento, sancionada há um ano. Um dos artigos estabelece que a instituição financeira deve informar claramente o tipo do empréstimo contratado e os detalhes sobre todos os custos que envolvem juros, multas e encargos.
Outro ponto essencial é reorganizar todas as finanças, saber o valor exato da renda, dos gastos mensais e as parcelas devidas. É importante que a sua contraproposta apresentada para a negociação das dívidas realmente caiba no orçamento familiar, sem comprometer o pagamento das contas básicas (aluguel, alimentação, remédios), para evitar a entrada em uma nova bola de neve de endividamento.
Para administrar melhor a sua renda, uma dica é anotar todos os gastos fixos (aluguel, conta de luz, financiamentos) e definir uma meta fixa mensal para os gastos variáveis (supermercado, transporte, delivery). Desta forma você saberá quando poderá gastar por semana, evitando que o dinheiro acabe antes do seu próximo pagamento.
Foco e paciência
É necessário ter muita força para encarar o endividamento, que além do impacto financeiro, também pode levar a prejuízos psicológicos. Muitas pessoas usam as compras para compensar questões emocionais, que podem ser cuidadas de outras formas, desde que sejam reconhecidas. Chegar ao extremo de ficar com o nome “sujo” tem uma série de efeitos negativos como inviabilizar uma vaga de emprego e perder o acesso a financiamentos de carros ou imóveis, por exemplo.
Estar endividado tira o sono e a energia de qualquer pessoa. Mas com tempo, paciência e muita dedicação, é possível sair do buraco do endividamento. “Resolver as dívidas nem sempre é algo imediato, envolve mudança de comportamento e muito comprometimento com as decisões financeiras. Assumir o controle das finanças de forma consciente é o passo mais importante para conseguir respirar aliviado, superar o descontrole das contas e criar uma relação mais saudável com o dinheiro”, destaca Jenifer.
Sobre Jenifer Corrêa
Jornalista formada pela USP, Jenifer Corrêa tem 13 anos de experiência corporativa no mercado financeiro, gerindo projetos de comunicação digital e criando estratégias de conteúdo dentro de grandes empresas, como B3, Serasa Experian, Santander e Itaú, na agência de notícias Thomson Reuters e nas fintechs GuiaBolso e alt.bank. É pós-graduada em Administração de Empresas pela FGV e especialista em educação financeira. Criou a Repenseria (repenseria.com), uma consultoria independente de comunicação e conteúdo, focada em finanças.